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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Monarquia Brasileira em 1889 estava assentada em areia (I).

(brasão imperial do 2.°reinado)

Eu vejo o advento da república no Brasil como o "apagão" fatal da instituição monárquica já quase morta e sua substituição pela única solução existente, uma república, ainda que ela fosse apressada e improvisada. A monarquia estava esgotada, o monarca doente e quase alheio ao que ocorria, sua herdeira, Dona Isabel, não gostava de política, e não era apreciada pelos principais monarquistas, a "corte" (ou seja, os grandes do império) constituída por egoístas e alienados bem isolados do restante da população e finalmente uma classe política nos dois partidos e nas casas legislativas (senado e assembleia geral), totalmente desacreditada perante o público militar e civil. Ainda mais, a Igreja Católica, muitos oficiais militares inferiores, grupos de estudantes, tanto civis como militares,  parte da imprensa, os ex-donos de escravos do Vale do Paraíba, etc., todos descontentes com o império e ansiando por mudanças políticas. Neste quadro melancólico a decrépita monarquia brasileira se fragmentou em pedaços, em face de um piparote de anão, ante os olhos complacentes da maior parte das forças armadas e policiais, ali presentes e que deveriam defendê-la. Tais os fatos principais em apertadíssima síntese, que a seguir particularizo um pouco melhor.
 
O velho imperador já há alguns anos sofria de diabetes, moléstia pouco conhecida na época, e bem antes disso padeceu de um envelhecimento precoce, o que o foi derruindo em vida. No regime da constituição de 1824, ele não apenas reinava, como também governava, e até administrativa, sempre que queria. Os políticos, dele dependiam totalmente, mesmo que agrupados nas duas agremiações, os conservadores e os liberais. O monarca apenas utilizava os partidos para alterna-los na execução das políticas da monarquia, cabendo-lhes no geral e tão só dar cumprimento a elas. Nos atos administrativos sempre apareciam as expressões – “governo de sua majestade”, “o imperador ordenou” (“designou, nomeou”, etc.) Enquanto sua saúde ajudou ele se mostrou atento e pronto a responder as solicitações encaminhadas ao estado. Mas, quando aquela baqueou, o monarca foi paulatinamente perdendo o ânimo e se descuidando dos deveres que lhe cabiam.
 
 
 
(Dom Pedro II)
                                                                                                       
A filha e herdeira, a Princesa Isabel, casada com Gastão de Orleans, era conhecida em sua própria família pelo apelido de "carola", pois era excessivamente religiosa, e aceitava a doutrina ultramontana, que reconhecia ao papa preponderância sobre os reis na vida temporal, no que era acompanhada pelo marido, também ultramontano. Num país, em que a Igreja Católica era constitucionalmente unida ao Estado, a política ultramontana se colocada em prática seria trágica, pois colocaria a igreja romana no comando político e administrativo do mesmo. Afinal, a constituição imperial já estabelecia, que para ser deputado, senador, funcionário público, ministro, etc., exigia-se do candidato a condição de católico. E se fosse esta igreja, quem comandasse o estado imagine-se quais católicos ela indicaria para todos os cargos e encargos. Certamente, não os maçons, que muito influentes então, seriam com a imperatriz Isabel todos defenestrados da política e do serviço público. Portanto, a ascensão da princesa e do marido ao trono seria um verdadeiro caos para os maçons em geral, razão pela qual eles a temiam e a abominavam. E, inclusive, o ultramontanismo isabelino iria afetar a independência do Brasil tão arduamente conquistada desde 1822 colocando o imperante brasileiro de joelhos perante o sumo-pontífice.
A nobreza titulada, embora apenas vitalícia, era orgulhosa e vivia afastada da população, inebriada pelos seus títulos e cultuando os seus brasões de armas, quando os tinham. Uma elite distante e insensível, havendo entre eles muitos donos de escravos, ainda mais insensíveis, quando não cruéis.
                                                                              
moda e costumes dos ricos no século XIX  - imagem apenas ilustrativa     
                                 (filme: Guepard de Visconti)
A classe política se abrigava, quando conseguia no senado imperial, que era vitalício, e até um de seus membros, o Visconde de Taunay, dele disse que uma parte de seus integrantes era um grupo elitista, “egoísta” e alienado do país. Claro, vindos da elite econômica e vivendo sonolentamente debaixo de candelabros de cristal, como se fossem semideuses, era natural que tal ocorresse. Os demais políticos buscavam na assembleia geral um abrigo alternativo, embora este fosse volta e meia dissolvido e depois reconstituído, por ordem do imperador. Ali, todos os parlamentares das duas câmaras usavam seu tempo em enfadonhos e longos discursos, que a nada levavam. Os partidos eram bem parecidos um com o outro, como se dizia então.  E tanto senadores como deputados só trabalhavam alguns meses do ano, ficando o resto do tempo na “dolcevita”. Por isto tudo, os políticos como classe parasitária que eram também acabaram isolados e desacreditados perante a população, tanto entre os civis, como pelos militares.


No fundo, como escreveu Sérgio Buarque de Holanda, a câmara baixa do legislativo e os gabinetes, como poderes que eram, padeciam de "instabilidade, e esta "vedava qualquer ação continua e a longo prazo". Assim, entre 1880 e 1889, ou seja em nove anos contínuos, houve "dez governos (ou gabinetes) representando pontos de vista diversos ou opostos" e na assembleia geral existiram "quatro legislaturas", todas interrompidas antes do prazo de quatro anos, que cabia a cada uma, sendo que a última nem se reuniu face a proclamação da república. Por ai se sente como tal sistema era inoperante e a pouco ou nada conduzia de bom, levando ainda a população cabisbaixa a descrer dele e da classe política ali abrigada.
 
   
                                                                
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

(oficiais do exército brasileiro durante o império - 1886)
 
No segundo reinado a Marinha Nacional e o Exército Brasileiro eram bem diferentes entre si, sendo a primeira o reduto dos aristocratas, e a segunda o abrigo dos que tinham menos recursos, pelo menos depois da criação dos cursos jurídicos no país. O advento destes tornou desinteressante o oficialato terrestre para os mais abastados, que o deixaram para os desprovidos pela fortuna. Somente alguns aristocratas antigos já detentores de altas patentes, depois disso continuaram nas forças armadas, mas em 1889 bem poucos deles ainda restavam. E nas patentes inferiores abundavam oficiais vindos das camadas populares. Um deles era o conceituado professor Benjamin Constant, também tenente-coronel, e ícone da mocidade militar, além de muito respeitado no meio de seus colegas. A marinha e o exército remuneravam mal seus integrantes, mas os elementos da primeira, sendo de famílias de posses não se incomodavam com isto. O problema, portanto, era dos oficiais do exército, que vindos da classe mais abaixo lutavam com dificuldades, para se manterem e as suas famílias. Ainda no exército lavrava sério ressentimento contra os governos imperiais, pelo fato destes no geral não terem valorizado o trabalho feito por eles na Guerra do Paraguai, que ocasionara fortes baixas em sua oficialidade, que ainda se sacrificara  pessoalmente no insalubre ambiente guarani durante a maior parte do conflito. Dai o forte descontentamento deles, que acabou redundando primeiramente em atritos públicos entre militares e políticos e depois em atos de indisciplina, acarretando punições e remoções administrativas, havendo nestas as vezes a de uma unidades inteira, fora as individuais.
Tudo isto ajudou a alimentar a chamada "questão militar", que na verdade não foi só uma, mas diversas, ocorridas entre 1884 e 1887, no geral sem real importância. O ponto de partida para elas  foram as declarações do tenente-coronel Antônio de Sena Madureira, que em 1883 se opôs na imprensa a um projeto de lei relacionado a aposentadoria dos militares. Disso decorreu a proibição, em 1884, aos oficiais do Exército de se manifestarem publicamente por meio da imprensa para atacar as instituições ou autoridades do Império. Entre 1884 e 1887, o Império pressionou e puniu os oficiais que desobedeceram a esta orientação, o que gerou sérios descontentamentos entre a oficialidade. Buscava-se a anulação destas punições e o primeiro passo foi dado, quando o Conselho Supremo Militar (o atual STM) opinou que os militares podiam recorrer a imprensa e nela publicarem as suas razões e alegações, mas nunca sobre objetos de serviços, que deveriam ser resolvidos internamente, com isto dando razão aos oficiais já punidos, que todavia deveriam requerer a administração militar o cancelamento das medidas. Estes, apenas uns poucos militares, mas muito orgulhosos, recusaram-se, pois achavam que tudo deveria provir de ofício da mesma. No fim, o impasse só foi solucionado, quando o Senado Imperial convidou o governo a declarar as mesmas sem efeito, medida adotada pelo ministério do Barão de Cotegipe em 1887. Assim, calaram-se os citados descontentes.
Mas, as coisas apenas se amainaram por algum tempo e aguardavam nova oportunidade para ressurgirem, o que se deu em 1889, quando eclodiu a última delas, de maneira extremamente rápida e que foi a que realmente acabou derrubando o Trono e o estado monárquico, trocado as pressas por uma improvisada república, como se verá depois. Aquela crise deu-se totalmente no gabinete Ouro Preto e sobre isto escreverei mais adiante algo a mais, pois foi ela quem detonou irremediavelmente a já combalida monarquia.
Naquela série de atritos públicos, um oficial-general, Deodoro da Fonseca, destacou-se de seus colegas de patente, por apoiar publicamente, ainda que moderadamente, aos seus colegas de farda, razão pela qual acabou sendo discriminado pelos políticos, inclusive os do partido conservador, ao qual ele pertencia. Estando no Rio, em 1888, por ser corporativista e solidário com os colegas de farda, Deodoro foi enviado em dezembro a Mato Grosso, como comandante de uma força de observação das fronteiras, pelo gabinete liberal de João Alfredo, que com isto o queria afastar do cenário carioca, aonde a celeuma era maior.
Ao que alegou Rui Barbosa, próximo da abolição da monarquia, isto também se deveu ao alheamento politico do imperador, motivado pela sua deficiente saúde, pois ainda conforme ele, "enquanto Dom Pedro II governou este país nunca houve o menor estremecimento entre o governo e a força militar".
A Igreja Católica ficou descontente com o governo e especialmente com o imperador, pois este sempre foi “regalista”, ou seja, adotava a doutrina de que o rei era superior ao papa em questões temporais. Usando dela, certa feita no curso da chamada "Questão Religiosa" mandara punir dois bispos católicos (Dom Vital e Dom Macedo Costa), que desafiaram a sua autoridade, sendo eles processados, condenados e recolhidos à cadeia. Isto os clérigos brasileiros nunca o perdoaram, embora a "questão" tivesse sido pouco a pouco amenizada por negociações entre o estado e o papado, que permitiram a posterior soltura dos bispos. Mas, mesmo assim o rancor clerical persistiu e por causa disso os padres passaram a desprestigia-lo durante as missas perante os seus paroquianos. O que desgastou a imagem do imperador diante do povo em geral. Na verdade, este sacerdócio esperava a ascensão da princesa e de seu marido ao trono, pois ambos seriam dóceis e submissos com eles, mas se esqueceram que a sucessão monárquica legal dependeria da estabilidade do Trono e se este caísse antes disso os seus dois preferidos nunca chegariam lá. Foram, portanto, cegos pelo rancor, além de politicamente inábeis, ainda bem maus profetas.
Até os estudantes civis descontentes, ainda que só parcialmente, contribuíram para o que viria, quando promoveram manifestações pelo centenário da revolução francesa no ano de 1889, que degeneraram em desordens públicas no Rio, reprimidas pela polícia, que as coibiu. Afinal, numa monarquia, festejar a queda de outra no passado, era pregar a república para o Brasil. A mocidade militar das duas escolas cariocas (Escola Militar e Escola Superior de Guerra) descontentes com o nepotismo que vigia no oficialato do exército pregava a “meritocracia” para substitui-la, e nisto era apoiada pelo seu professor comum, Benjamin Constant, um homem de bem adepto do positivismo, mas algo ingênuo por ser também um idealista. No dia da proclamação republicana estavam ambas as escolas participando do movimento armado.
E a imprensa? Esta gozava de considerável liberdade, pois o imperador pregava que a usava para assim coibir abusos e irregularidades no serviço público, e aliás, que este diariamente lia as principais notícias nela publicadas. Graças a aquilo, republicanos criaram jornais políticos de sua ideologia e martelavam nas páginas deles a monarquia, o monarca e o governo. Dentre eles, se destacou a figura de Quintino Bocaiúva, que editava um destes jornais. Mesmo assim, este e os republicanos em geral tinham consciência de que não possuíam penetração na massa popular, como diziam em caráter privado, e que nunca bateriam a monarquia.
 

(continua....)

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