(brasão imperial do 2.°reinado) |
Eu vejo o advento da república no Brasil como o "apagão"
fatal da instituição monárquica já quase morta e sua substituição pela
única solução existente, uma república, ainda que ela fosse apressada e
improvisada. A monarquia estava esgotada, o monarca doente e quase alheio ao
que ocorria, sua herdeira, Dona Isabel, não gostava de política, e não era
apreciada pelos principais monarquistas, a "corte" (ou seja, os
grandes do império) constituída por egoístas e alienados bem isolados do restante
da população e finalmente uma classe política nos dois partidos e nas
casas legislativas (senado e assembleia geral), totalmente desacreditada
perante o público militar e civil. Ainda mais, a Igreja Católica, muitos
oficiais militares inferiores, grupos de estudantes, tanto civis como
militares, parte da imprensa, os ex-donos de escravos do Vale do Paraíba,
etc., todos descontentes com o império e ansiando por mudanças políticas. Neste
quadro melancólico a decrépita monarquia brasileira se fragmentou em pedaços, em
face de um piparote de anão, ante os olhos complacentes da maior parte das
forças armadas e policiais, ali presentes e que deveriam defendê-la. Tais os
fatos principais em apertadíssima síntese, que a seguir particularizo um pouco
melhor.
O velho imperador já há alguns anos sofria de diabetes, moléstia pouco
conhecida na época, e bem antes disso padeceu de um envelhecimento precoce, o
que o foi derruindo em vida. No regime da constituição de 1824, ele não apenas
reinava, como também governava, e até administrativa, sempre que queria. Os
políticos, dele dependiam totalmente, mesmo que agrupados nas duas
agremiações, os conservadores e os liberais. O monarca apenas utilizava os
partidos para alterna-los na execução das políticas da monarquia, cabendo-lhes
no geral e tão só dar cumprimento a elas. Nos atos administrativos sempre
apareciam as expressões – “governo de sua majestade”, “o imperador ordenou”
(“designou, nomeou”, etc.) Enquanto sua saúde ajudou ele se mostrou atento e
pronto a responder as solicitações encaminhadas ao estado. Mas, quando aquela
baqueou, o monarca foi paulatinamente perdendo o ânimo e se descuidando dos
deveres que lhe cabiam.
(Dom Pedro II) |
A filha e herdeira, a Princesa Isabel, casada com Gastão de Orleans, era
conhecida em sua própria família pelo apelido de "carola", pois era
excessivamente religiosa, e aceitava a doutrina ultramontana, que reconhecia ao
papa preponderância sobre os reis na vida temporal, no que era acompanhada pelo
marido, também ultramontano. Num país, em que a Igreja Católica era
constitucionalmente unida ao Estado, a política ultramontana se colocada em
prática seria trágica, pois colocaria a igreja romana no comando político e
administrativo do mesmo. Afinal, a constituição imperial já estabelecia,
que para ser deputado, senador, funcionário público, ministro, etc.,
exigia-se do candidato a condição de católico. E se fosse esta igreja, quem
comandasse o estado imagine-se quais católicos ela indicaria para todos os
cargos e encargos. Certamente, não os maçons, que muito influentes então,
seriam com a imperatriz Isabel todos defenestrados da política e do serviço
público. Portanto, a ascensão da princesa e do marido ao trono seria um
verdadeiro caos para os maçons em geral, razão pela qual eles a temiam e a
abominavam. E, inclusive, o ultramontanismo isabelino iria afetar a
independência do Brasil tão arduamente conquistada desde 1822 colocando o
imperante brasileiro de joelhos perante o sumo-pontífice.
A nobreza titulada, embora apenas vitalícia, era orgulhosa e vivia
afastada da população, inebriada pelos seus títulos e cultuando os seus brasões
de armas, quando os tinham. Uma elite distante e insensível, havendo entre eles
muitos donos de escravos, ainda mais insensíveis, quando não cruéis.
moda e costumes dos ricos no século XIX - imagem apenas ilustrativa
(filme: Guepard de Visconti)
|
(oficiais do exército brasileiro durante o império - 1886) |
No segundo reinado a Marinha Nacional e o Exército Brasileiro eram
bem diferentes entre si, sendo a primeira o reduto dos aristocratas, e a
segunda o abrigo dos que tinham menos recursos, pelo menos depois da
criação dos cursos jurídicos no país. O advento destes tornou desinteressante o
oficialato terrestre para os mais abastados, que o deixaram para os desprovidos
pela fortuna. Somente alguns aristocratas antigos já detentores de altas
patentes, depois disso continuaram nas forças armadas, mas em 1889 bem poucos
deles ainda restavam. E nas patentes inferiores abundavam oficiais vindos das
camadas populares. Um deles era o conceituado professor Benjamin Constant,
também tenente-coronel, e ícone da mocidade militar, além de muito respeitado
no meio de seus colegas. A marinha e o exército remuneravam mal seus
integrantes, mas os elementos da primeira, sendo de famílias de posses não se
incomodavam com isto. O problema, portanto, era dos oficiais do exército, que
vindos da classe mais abaixo lutavam com dificuldades, para se manterem e
as suas famílias. Ainda no exército lavrava sério ressentimento contra os
governos imperiais, pelo fato destes no geral não terem valorizado o trabalho
feito por eles na Guerra do Paraguai, que ocasionara fortes baixas em sua oficialidade,
que ainda se sacrificara pessoalmente no insalubre ambiente guarani
durante a maior parte do conflito. Dai o forte descontentamento deles, que
acabou redundando primeiramente em atritos públicos entre militares e políticos
e depois em atos de indisciplina, acarretando punições e remoções
administrativas, havendo nestas as vezes a de uma unidades inteira, fora as
individuais.
Tudo isto ajudou a alimentar a chamada "questão
militar", que na verdade não foi só uma, mas diversas, ocorridas entre
1884 e 1887, no geral sem real importância. O ponto de
partida para elas foram as declarações do tenente-coronel Antônio de Sena
Madureira, que em 1883 se opôs na imprensa a um projeto de lei relacionado a
aposentadoria dos militares. Disso decorreu a proibição, em 1884, aos oficiais
do Exército de se manifestarem publicamente por meio da imprensa para atacar as
instituições ou autoridades do Império. Entre 1884 e 1887, o Império pressionou
e puniu os oficiais que desobedeceram a esta orientação, o que gerou sérios
descontentamentos entre a oficialidade. Buscava-se a anulação destas punições
e o primeiro passo foi dado, quando o Conselho Supremo Militar (o atual STM)
opinou que os militares podiam recorrer a imprensa e nela publicarem as suas
razões e alegações, mas nunca sobre objetos de serviços, que deveriam ser
resolvidos internamente, com isto dando razão aos oficiais já punidos, que
todavia deveriam requerer a administração militar o cancelamento das medidas.
Estes, apenas uns poucos militares, mas muito orgulhosos, recusaram-se,
pois achavam que tudo deveria provir de ofício da mesma. No fim, o impasse só
foi solucionado, quando o Senado Imperial convidou o governo a declarar as
mesmas sem efeito, medida adotada pelo ministério do Barão de Cotegipe em 1887.
Assim, calaram-se os citados descontentes.
Mas, as coisas apenas se amainaram por algum tempo e aguardavam nova
oportunidade para ressurgirem, o que se deu em 1889, quando
eclodiu a última delas, de maneira extremamente rápida e que foi
a que realmente acabou derrubando o Trono e o estado monárquico, trocado as
pressas por uma improvisada república, como se verá depois. Aquela crise deu-se
totalmente no gabinete Ouro Preto e sobre isto escreverei mais adiante algo a
mais, pois foi ela quem detonou irremediavelmente a já combalida
monarquia.
Naquela série de atritos públicos, um oficial-general, Deodoro da
Fonseca, destacou-se de seus colegas de patente, por apoiar publicamente, ainda
que moderadamente, aos seus colegas de farda, razão pela qual acabou sendo
discriminado pelos políticos, inclusive os do partido conservador, ao qual ele
pertencia. Estando no Rio, em 1888, por ser corporativista e solidário com
os colegas de farda, Deodoro foi enviado em dezembro a Mato Grosso, como
comandante de uma força de observação das fronteiras, pelo gabinete liberal de
João Alfredo, que com isto o queria afastar do cenário carioca, aonde a celeuma
era maior.
Ao que alegou Rui Barbosa, próximo da abolição da monarquia, isto também
se deveu ao alheamento politico do imperador, motivado pela sua deficiente
saúde, pois ainda conforme ele, "enquanto Dom Pedro II governou este país
nunca houve o menor estremecimento entre o governo e a força militar".
A Igreja Católica ficou descontente com o governo e especialmente
com o imperador, pois este
sempre foi “regalista”, ou seja, adotava a doutrina de que o rei
era superior ao papa em questões temporais. Usando dela, certa feita no curso
da chamada "Questão Religiosa" mandara punir dois bispos católicos
(Dom Vital e Dom Macedo Costa), que desafiaram a sua autoridade, sendo eles
processados, condenados e recolhidos à cadeia. Isto os clérigos brasileiros
nunca o perdoaram, embora a "questão" tivesse sido pouco a pouco
amenizada por negociações entre o estado e o papado, que permitiram a posterior
soltura dos bispos. Mas, mesmo assim o rancor clerical persistiu e por causa
disso os padres passaram a desprestigia-lo durante as missas perante os seus
paroquianos. O que desgastou a imagem do imperador diante do povo em geral. Na
verdade, este sacerdócio esperava a ascensão da princesa e de seu marido ao
trono, pois ambos seriam dóceis e submissos com eles, mas se esqueceram que a
sucessão monárquica legal dependeria da estabilidade do Trono e se este caísse
antes disso os seus dois preferidos nunca chegariam lá. Foram, portanto, cegos
pelo rancor, além de politicamente inábeis, ainda bem maus profetas.
Até os estudantes civis descontentes, ainda que só parcialmente,
contribuíram para o que viria, quando promoveram manifestações pelo centenário
da revolução francesa no ano de 1889, que degeneraram em desordens públicas no
Rio, reprimidas pela polícia, que as coibiu. Afinal, numa monarquia, festejar a
queda de outra no passado, era pregar a república para o Brasil. A mocidade
militar das duas escolas cariocas (Escola Militar e Escola Superior de Guerra)
descontentes com o nepotismo que vigia no oficialato do exército pregava a
“meritocracia” para substitui-la, e nisto era apoiada pelo seu professor comum,
Benjamin Constant, um homem de bem adepto do positivismo, mas algo ingênuo por
ser também um idealista. No dia da proclamação republicana estavam ambas as
escolas participando do movimento armado.
E a imprensa? Esta gozava de considerável liberdade, pois o
imperador pregava que a usava para assim coibir abusos e irregularidades no
serviço público, e aliás, que este diariamente lia as principais notícias nela
publicadas. Graças a aquilo, republicanos criaram jornais políticos de sua
ideologia e martelavam nas páginas deles a monarquia, o monarca e o governo.
Dentre eles, se destacou a figura de Quintino Bocaiúva, que editava um destes
jornais. Mesmo assim, este e os republicanos em geral tinham consciência de que
não possuíam penetração na massa popular, como diziam em caráter privado, e que
nunca bateriam a monarquia.
(continua....)