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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Breve síntese da Guerra da Tríplice Aliança e minhas ilações sobre ela.


No século XIX ocorreu a Guerra da Tríplice Aliança entre o Brasil e seus aliados, Argentina e Uruguai, de um lado, e o Paraguai, no outro polo, que foi o maior conflito ocorrido na América do Sul durante o século XIX. Uma guerra extremamente cara, muito sangrenta e dolorosa, pois acarretou grande número de baixas militares para os quatro países (fora as civis, em número ainda superior), e que no seu final teve reflexos imediatos à primeira vista só nas delimitações fronteiriças entre o Brasil, Argentina e Paraguai e na substituição do ditador paraguaio, morto ao final dela, por novos dirigentes. Olhando-se mais a fundo, houve outras consequências fora estas, ao menos para o Brasil, além do grande confronto ter evitado por muitos anos a eclosão de novos conflitos internacionais no subcontinente, como direi melhor ao final deste trabalho.
 
Voltando a guerra, passada a fase de quase total recuperação de territórios invadidos na Argentina (Corrientes e Entre Rios) e no Brasil (o RS) pelos paraguaios, excetuada naquele momento por parcela da província do Mato Grosso (hoje MS), e a grande derrota naval paraguaia na batalha do Riachuelo, a grande contenda continuou, não para destruir a soberania guarani, nem para anexar o seu território ao Brasil, mas para se combater a um único homem – Francisco Solano Lopes, destituindo-o da direção ditatorial de seu país.
 
Realmente, estabelecia o tratado que unira os três contendores, no seu artigo 1.º a sua própria finalidade: unirem-se os signatários “em aliança ofensiva e defensiva na guerra promovida pelo governo do Paraguai” esclarecendo, no artigo 7.°, que a Guerra não era “contra o povo do Paraguai e sim contra o seu governo” e de acordo com o artigo 6.º, “os aliados se comprometeram solenemente a não deporem as armas senão de comum acordo, e somente depois de derrubada a autoridade do atual governo do Paraguai; bem como a não celebrarem tratados de paz, trégua ou armistício, nem convenção alguma para suspender ou findar a guerra, se não de perfeito acordo entre todos”.
 
Vê-se pelo texto, que os três estados se consideravam irreconciliavelmente de mal com Solano Lopes, cujo governo consideravam inaceitável como interlocutor em qualquer negociação futura, que só teria início e continuidade se fosse feita com terceiros totalmente alheios a Lopes e a sua família.
 
Bom se dizer, que no início da guerra, Solano Lopes figurava como presidente da república, tendo como ministros vários de seus familiares, entre irmãos e cunhados, dai a referência a estes como parte daquele governo.
 
Ora, apenas para se vencer a este homem e a seus seguidores foi preciso se lutar por mais de quatro anos, entre dezembro de 1865 e 01 de março de 1870, havendo antes disso um período prévio, de quase um ano, em que ocorreram as principais ofensivas guaranis, incluída a naval em Riachuelo, quase todas mal sucedidas, excetuada aquela inicialmente empreendida contra Mato Grosso (dezembro de 1864 a novembro de 1865).
 
Será que eram necessários tantos esforços e gastos, além das grandes perdas humanas, para se obter apenas aqueles parcos resultados? É uma pergunta, que não me cabe responder conclusivamente, quando muito apenas opinar com extremo cuidado, sujeitando esta opinião ao julgamento final da História, e estando aberto a eventuais criticas e reparos de terceiros.
 
Bom se dizer antes, que o Paraguai em 1864 era a chamada TERRA INCÓGNITA, pois não se sabia nem a sua extensão, nem a sua população. Estando insulado no interior da América do Sul fora governado como país independente por três ditadores, que mantinham suas fronteiras fechadas, aonde poucos estrangeiros eram admitidos e ainda menos destes eram autorizados a saírem. A sua população era severamente vigiada pelos seus governantes, que usavam a sua polícia e ainda a muitos informantes voluntários, para controlá-la de perto. O país não tinha constituição, nem parlamento autônomo, muito menos imprensa independente, estando todos os paraguaios submetidos a máxima autoridade do presidente da república, na verdade um férreo e implacável ditador. A igreja católica só funcionava como mera coadjuvante do ultrapoderoso governo, servindo ainda seus sacerdotes como compulsórios informantes deste. As prisões eram locais de muitos sofrimentos para seus ocupantes e os juízes simples executores das ordens governamentais.
 
A riqueza nacional pertencia em sua maior parte ao estado, que era o proprietário de aproximadamente 80% de seu território, ficando o restante para particulares, e sendo a família Lopes uma importante latifundiária dentre eles. O país vendia no exterior apenas alguns produtos primários (especialmente, erva mate e couros curtidos). Mantinha uma pequena linha de navegação fluvial para o rio da Prata, para transporte remunerado de cargas e passageiros, e eventuais viagens ao exterior. Fora isto, arrendava a lavradores limitadas glebas de terras nas Estâncias da Pátria, existentes nas terras públicas estatais, recebendo metade da produção de cada uma, que logicamente revendia. Com estes recursos é que custeava a administração e os investimentos estatais. As cidades e vilas eram poucas e a população no geral vivia no meio rural, embora seu número real total no início da guerra fosse ignorado.
 
Durante seu governo e temendo invasões externas o ditador Carlos Antônio Lopes tratou de montar uma pequena usina siderúrgica, um arsenal naval e outro terrestre, incumbidos de fabricarem algumas armas, embarcações, pólvora e munições, destinados as tropas militares, além de uma limitada linha férrea, para assim promover seus deslocamentos terrestres, fora os fluviais da linha mercante. Usando muito bem algumas terras baixas próximas da Argentina, e de escassa utilidade para o país, em parte inundadas, e repletas de variadas vegetações silvestres, que eram vizinhas ao Rio Paraguai, ali se construiu o complexo defensivo de Humaitá (conhecido militarmente por “quadrilátero”), bem guarnecido e fortemente artilhado, que impedia a poucas léguas da fronteira, com êxito qualquer invasão fluvial da maior parte do restante território do Paraguai.
 
A meu ver a grande força do país, algo que se ignorava no seu exterior, estava nalguns pontos capitais, a saber. Tinham recursos militares básicos próprios para se garantir a realização de ações e reações bélicas. Uma fortíssima fortaleza. Um povo de camponeses, no geral de origem indígena, acostumado a obedecer aos poderosos sem discutir, que tinha um habitat e um modo de vida, no geral bem modestos, mas que eles valorizavam e muito, e que aqui e ali nas urbes era alegrado com festas e danças, bem animadas com bandas musicais. Fora isto, o governo ainda dispunha da única imprensa do país, estatal e impressa em espanhol e em guarani, que alimentava intelectualmente toda a população da maneira que melhor interessava a ele, e que funcionou durante todo o conflito.
 
O tratado de aliança entre os aliados era secreto, mas em 12 de setembro de 1866 em Yatayti-Corá, o próprio Solano ficou sabendo pelo general Mitre, presidente argentino, com quem conferenciou numa trégua ajustada entre eles, da disposição nele contida, que exigia a sua destituição e saída do Paraguai. Não se conformou com ela, disse isto ao seu interlocutor, e logicamente firmou a sua convicção de não se submeter a mesma, que salvo poucos momentos manteve integra por toda a guerra. O restante certamente dependeria daquele pobre, mas valoroso povo, que ele manobrava genialmente como marionetes.
E foi este armado em guerra, quem sustentou a contenda, submetido a duríssima disciplina militar, parcamente alimentado, nada recebendo a titulo de soldos, alvejando os adversários e sendo por eles alvejado, numa guerra nos entrincheiramentos, que estiveram presentes nela por quase todo o tempo.
 
Os aliados, em especial os brasileiros, que eram em maior número nas fileiras aliadas, não estavam preparados para tal conflito, ainda mais porque grande número deles eram civis bruscamente militarizados. Nem os oficiais de carreira possuíam treinamento para o tipo de guerra, que enfrentaram. Só com o tempo e a experiência foram sendo formuladas algumas táticas de combate adequadas aos cenários reais da mesma. De imediato, logo após a invasão do Paraguai, houve baixas desnecessárias e avultadas entre brasileiros e argentinos na batalha de Curupaity, a única que o Paraguai venceu em seu território, decorrentes do desconhecimento daqueles do terreno ali existente, dos meios reais do adversário e de realização de arrojadas cargas de infantaria em terreno totalmente desfavorável a elas.
 
Depois disso, algo se aprendeu e dai em diante se evitou o bater-se em ferro quente; outras formas de ação militar foram engendradas e praticadas e tudo passou a correr melhor. O grande gênio militar do futuro Duque de Caxias soube ainda estabelecer a melhor estratégia e o maior número de recursos financeiros, materiais e militares dos aliados (em especial, brasileiros) foi-se impondo sobre o inimigo, apesar de sua obstinação e tenacidade.
 
Assim, caiu Humaitá, e após os Aliados venceram as batalhas da DEZEMBRADA (1868), ocupando em seguida Assunção, evacuada por sua população, recuperando-se rapidamente o Mato Grosso invadido. Caxias, o grande vencedor destas jornadas, já sexagenário e de saúde abalada, retirou-se do fronte, substituído por Gastão de Orleans, genro de Dom Pedro II, sob cujo comando novas forças paraguaias arregimentadas por Lopes foram vencidas na Campanha das Cordilheiras e logo depois desta e de mais alguns combates menores, encerrou-se a guerra com a última luta, em Cerro Corá, perto da fronteira Brasil-Paraguai, mas ainda neste último território, na qual pereceu encurralado o tirano Solano Lopes, o que terminou em definitivo com a Guerra da Tríplice Aliança.
 
Volto agora à pergunta, por mim mesmo formulada: Será que eram necessários tantos esforços e gastos, além das grandes perdas humanas, para se obter apenas aqueles parcos resultados? Sou obrigado a reconhecer, que Solano Lopes, soube associar a sua pessoa e suas pregações, orais e escritas, aos pensamentos da maior parte da população camponesa de seu país, que vivia no geral nas estâncias do governo como meeiros. Esta gente simples o seguiu cegamente, obedeceu-lhe até o fim, e por isto pereceu em grande número, seja combatendo, seja por doenças e privações. Nunca aquele campesinato reagiu contra os excessos, que ele cometia amiúde, aprisionando indefinidamente a homens de quem suspeitava, executando outros homens e mulheres por supostas conspirações, confiscando arbitrariamente bens privados, exilando mulheres com suas crianças para locais insalubres e de péssimas condições de vida (eram as chamadas “destinadas”), mandando evacuar a população civil das cidades e vilas, que iriam cair perante o inimigo, e sem lhes dar nenhuma assistência do governo, tudo num rosário desnecessário de desumanidade e cruel impiedade para com seus conterrâneos.
 
Neste cenário antes surreal e depois infernal, que se prolongou de dezembro de 1865 e 01 de março de 1870, só me resta responder, que isto foi realmente necessário, embora nunca tivesse isto sido desejado antes do conflito pelo Brasil e pelos brasileiros. Fazer a paz com Solano Lopes e seu governo de fantoches, deixando-o a frente do seu país, seria um paz fictícia e provisória, na prática apenas uma trégua, que duraria quando muito o tempo necessário, para que ele se aparelhasse militarmente para um novo e mais cruel conflito, uma verdadeira revanche contra os vencedores da “Guerra Grande”. Durante a hipotética trégua, o Brasil teria que constituir um grande e bem armado exército e uma mais forte armada, o que acarretaria grandes despesas ao erário, gerando descontentamentos internos no Brasil. As novas tropas durante a trégua teriam que se postar nas fronteiras mais sensíveis com aquele país (Mato Grosso e Rio Grande do Sul), tudo isto com fortes despesas, e maiores criticas internas. E o reconhecido pacifista D. Pedro II teria sua imagem turbada e desfigurada, virando oficialmente um belicista. Uma péssima política se fosse ela a adotada, que acabaria por comprometer a própria estabilidade e continuidade do regime monárquico, precipitando certamente a sua queda.
 
Foi mais sensato dar continuidade aquele conflito, levando-o até o seu final, apesar do tempo e de seus altos custos. Tanto que, nunca depois dele findar-se nenhum de nossos vizinhos sul-americanos empreendeu qualquer ação militar contra o Brasil, o que permitiu ao país reduzir substancialmente o seu exército, buscando apenas continuar a aparelhar a sua marinha de guerra, na qual a monarquia confiava mais, que nas forças terrestres. Algo, que eu considero uma importante e benéfica consequência para o nosso país.
 
Paraguai, infelizmente, pagou um preço muito amargo, pelo erro de seguir cegamente a Solano Lopes, o que eu lamento. Mas, hoje associado ao Mercosul, também integrado pelos seus ex-adversários, e podendo no presente ainda mais e melhor usar da energia de Itaipu em favor de sua prosperidade, oferecerá, eu assim o desejo, melhores condições futuras de vida aos seus nacionais (isto face a nova linha de transmissão daquela até Assunção, aonde no entorno se concentra a maior parte da presente atividade econômica guarani).
 
Encerro assim este texto, que considero singelo, mas sincero, fruto de muitas leituras, que fiz no passado na bibliografia escrita e virtual respectiva, de que tive acesso no meu país e nos nossos vizinhos.
 
A imagem é de uma caricatura de Angelo Agostini publicada na imprensa carioca durante a guerra.

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