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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Monarquia Brasileira em 1889 estava assentada em areia (III).

Aponta-se ainda, com bastante insistência, que o agitado ano então vivido reclamava antes um fino diplomata e um espirito mais tolerante, qualidades de que não desfrutava Ouro Preto, que pela forma direta, ainda que legalista com que atuou, bem mais acirrou os ânimos dos militares descontentes contra o regime e a classe política.
 

 
(Baile das Ilha Fiscal-tela de Francisco Figueiredo)
 
Anote-se a propósito do baile da Ilha Fiscal, aqui relembrada pela tela agora reproduzida, de autoria de Francisco Figueiredo, que o mesmo foi uma iniciativa do ministro e visconde visando em especial aparentar naquela reunião um inexistente ambiente de solidez e prosperidade da monarquia brasileira. Oficialmente, a festa comemorava as bodas de prata do casal de príncipes, Isabel e Gastão, e ainda homenageava a oficialidade do navio de guerra chileno Almirante Cochrane, então surto no porto carioca. Realizado no dia 09 de novembro de 1889, precedeu de poucos dias a queda da monarquia, e foi muito dispendioso (250 contos de réis),  retirados de uma verba antes destinada a socorrer os flagelados da seca no Ceará. Imagino, que estes ficaram ao léu e sem este socorro, face a total mudança geral então ocorrida no estado brasileiro.
 
(e mesmo com tudo isto a bela bandeira ainda tremulava no Brasil.....)
             
E foi o que aconteceu, quando um agrupamento militar de aproximadamente 500 homens, liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca e constituído por dois pequenos regimentos de cavalaria e um de artilharia se revoltaram, coadjuvados por alunos das duas escolas militares do Rio – a Escola Militar da Praia Vermelha (estes a certa distância) e a Escola Superior de Guerra (estes bem presentes a demonstração). Os referidos militares se posicionaram na frente da Secretaria da Guerra e com a adesão de todas as demais tropas militares e policiais, que a defendiam, depuseram ao gabinete, liderado pelo Visconde de Ouro Preto. Alguns republicanos, entre eles Quintino Bocaiúva, então se fizeram presentes no seio da pequena multidão de civis, que acompanharam o ocorrido. Foi a jornada do dia 15 de Novembro, ocorrida na manhã deste mesmo dia, na qual tão somente se promoveu “manu militari” a deposição daquele gabinete, ainda que amiúde se confunda a ela com a proclamação propriamente dita, que veio depois, conforme melhor adiante explicarei.
 


(Deposição do gabinete - tela de Benedito Calixto -1893)
                        
E porque isto ocorreu? Tudo resultou de algumas  ações governamentais, implantadas ou em vias de o serem no Rio e no seu entorno, e que consistiram na convocação da Guarda Nacional na capital imperial, no aumento do efetivo da polícia militarizada desta e da província do Rio de Janeiro, na criação da guarda cívica (um policiamento civil) ainda na capital do país, equipando a soldadesca policial e os guardas nacionais com fuzis modernos (de marca Comblain). Estas medidas e mais a transferência do  22.° Batalhão de Infantaria do Rio para a província do Amazonas, ocorrida pouco dias antes da Proclamação enegreceram e agravaram ainda mais o cenário militar carioca (na verdade ela se dera a pedido do presidente da citada província e em nada visou afetar ao exército) e ajudaram a criar a perspectiva que depois delas consolidadas haveria a compulsória movimentação das unidades do exército da capital, que tinham armamento antiquado e inferior aos Comblain (usavam ainda os fuzis Minié), e portanto impotentes para reagir aquelas ordens para os mais longínquos rincões do país, aonde elas facilmente acabariam minimizadas e reduzidos a expressão mais simples, sem nenhuma capacidade militar de atuar. Estes supostos planos passaram a circular na oficialidade da 2.° Brigada e acabaram chegando ao próprio Marechal Deodoro, que retornara recentemente a cidade (chegou em 13 de setembro), desgostoso com o governo liberal de Ouro Preto e até com seus companheiros de agremiação, os conservadores.

Tais receios certamente aumentaram em muito o descontentamento já existente, notadamente na 2.° Brigada, mas depois repercutiram desfavoravelmente na 1.° Brigada, que eram as duas grandes unidades do exército na capital. Em especial tal foi aceito como real pelo Marechal Deodoro.
No fim foi isto no seu conjunto, que acabou equivalendo a um depósito de pólvora munido de um rastilho, que foi sendo acumulado, permaneceu secreto e bem isolado até ser aceso na noite do dia 14 de novembro por outro oficial, o Major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, e que detonou o movimento sedicioso na 2.° Brigada, Escola Superior de Guerra e Colégio Militar do Rio (ao qual depois aderiram as demais tropas cariocas), no que foi a última e mais importante das "questões militares".
 
                                                                

(fuzil Minié)

                                                                           

                                                         
                                                           
 
                                                                                                   
(carabina Comblain)
                                                     
                                                                             
Depois do advento da república e já sendo pública a falaciosa teoria, o Visconde de Ouro Preto negou terminantemente ter seu governo em mira tais propósitos. Quanto à recriação da guarda nacional apenas no Rio, disse ele, esta era legalmente permitida, e pelo menos na minha ótica isto e ainda quaisquer outras medidas concomitantes adotadas ou apenas anunciadas decorreram da indisciplina, que grassava nas tropas do exército, sendo uma providência apenas acautelatória do governo visando dar-lhe respaldo armado diante de uma eventual e mesmo que parcial sedição do exército no Rio.

(continua...)
 

 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A Monarquia Brasileira em 1889 estava assentada em areia (II).

(ampulheta)
 
O tempo da monarquia brasileira estava se esgotando em nosso país. O velho imperador bastante doente viajou ao exterior em 1887 para tratar-se e confiou a princesa Isabel a condição de regente em sua ausência. Esta, ardorosa abolicionista forçou a saída do gabinete do Barão de Cotegipe, que então governava, e chamou para substitui-lo um fiel partidário dela, o senador imperial João Alfredo, o qual aceitou o cargo com o compromisso de promover a abolição em tempo recorde, o que ele realmente fez, pois em 1888, entre 08 de maio e 13 deste mês, com o seu trabalho político promoveu-se a legal abolição da escravatura, aprovada nas duas casas do parlamento  e que foi sancionada pela regente neste mesmo dia, um domingo, com grandes festejos populares e vistosas homenagens a princesa. A mesma foi depois agraciada pelo Papa Leão XII com a Rosa de Ouro, uma homenagem na época excepcional na Igreja Católica. Este foi o verso da moeda. 
 

(em belo pergaminho a lei isabelina)
   



(Dia da abolição da escravatura – a população aclama a princesa no paço da cidade)
Mas, a mesma moeda tinha o seu reverso, pois a abolição promovida pela Princesa Isabel, da forma que foi feita, ajudou bastante a precipitar a queda da monarquia. A cidade do Rio de Janeiro era vizinha do Vale do Paraíba, aonde se concentravam os mais importantes escravocratas do país. A “abolição” sem indenização a eles os arruinou economicamente, e diga-se a bem da verdade, a lei era inconstitucional, pois violava a garantia e proteção à propriedade privada nela prevista. Mas, então não havia a quem recorrer, pois o judiciário da época não a controlava, nem a fiscalizava. O prejuízo daqueles latifundiários foi grande e a sua raiva ainda maior, dizendo-se que eles se tornaram os “republicanos do 14 de maio” (dia posterior ao da lei).

Diga-se a bem da verdade, que o império não teria dinheiro para indenizar os senhores de escravos, pois haviam então 700 mil cativos no país e eles valeriam algo como 210 milhões de contos de réis, sendo o orçamento do pais então de 165 milhões de contos de réis. Sobre isto Joaquim Nabuco até disse: “O Brasil não é bastante rico para apagar o seu crime”. Estudiosos então aventaram a tese, de que se tivesse havido uma indenização pela libertação dos escravos, consistindo na emissão de títulos resgatáveis em 30 anos, haveria a chance de se ter tido uma Imperatriz Isabel I, como sucessora do Imperador Dom Pedro II. Uma mera conjectura, afinal, pois haviam outros fortes óbices submersos a tanto, aqui referidos por mim, fora a indenização não concedida aos escravocratas. Para mim, no fundo esta foi a última porção d’agua numa jarra já quase cheia deste liquido.
  



 
  (escravos em duro labor)


Aquele era o último apoio à monarquia e o que estava dela mais próximo. Pois a Igreja e o Exército já não o apoiavam desde tempos. E nem os monarquistas, temerosos de um “terceiro reinado clerical”, especialmente os maçons, estavam dispostos a se sacrificarem por Isabel e Gastão, nem previam muito tempo de vida para o idoso e sempre doente D. Pedro II. Uma amostra disso veio de um antigo político conservador, o Barão de Cotegipe, que no ano de 1889, mas antes da proclamação, quando convidado a abraçar a república, respondeu ao seu interlocutor: "Pode estar tranquilo, que eu não lhe faço oposição". Por isso e outras se vê, que a monarquia, antes sólida, repousava então num mar de areia, podendo por ele a qualquer tempo ser engolida.
 
Tal o melancólico quadro que existia, quando em 07 de junho de 1889, D. Pedro II nomeou o seu 36.° e último gabinete, chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, do Partido Liberal, um homem honesto e decidido, mas extremamente rigoroso, exigente e um renitente teórico, que era advogado e professor de direito, além de político militante. Ouro Preto sentindo a repulsa de muitos militares as políticas da monarquia tratou de escolher e nomear para as pastas da Guerra e Marinha, dois oficiais-generais, fato pouco usual então - o Visconde de Maracaju e o Barão de Ladário, ambos ex-combatentes da Guerra do Paraguai. Isto aparentava ser um gesto de aproximação com os militares descontentes. Por liberalidade e sem atentar as futuras consequências permitiu que o Marechal Deodoro fosse desligado de sua missão militar fronteiriça e voltasse ao Rio.
 
Mas o tempo ainda existente era curto  e se escoava rapidamente, como a história demonstrou depois, pois Ouro Preto tornou-se presidente do conselho de ministros em  junho do último ano da monarquia, e Maracaju no saldo de tempo restante, permaneceu em boa parte dele afastado por doença, o que colocou na prática o Marechal Floriano Peixoto, Ajudante General do citado ministério a frente dele, pois o ministro interino Candido de Oliveira, que era da pasta da Justiça,  mais referendava as propostas deste, do que deliberava diretamente. Floriano, era um homem frio e dissimulado, além de bastante desleal, que secretamente abominava a monarquia e que também cultivava interiormente velhos ressentimentos. Enfim, ele certamente não era a pessoa indicada para uma ocasião de extrema crise, como ela acabou sendo afinal e que ao eclodir iria exigir a total lealdade dos chefes militares ao regime vigorante.


 

 
(Visconde de Ouro Preto)






(continua...)