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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Floriano Peixoto visto por um contemporâneo.

Velhos e bons livros acabam esquecidos em prateleiras de bibliotecas e por causa disso bons textos deixam de vir ao conhecimento público como aliás já escrevi antes. Pensando nisto reproduzo este fragmento de um deles, que se vê a seguir, com o devido crédito, para assim divulga-lo aos que porventura leiam este blog.
Este contemporâneo foi o contra-almirante Custódio José de Mello, da Marinha do Brasil, que por um certo tempo foi aliado de Floriano, e por outro lapso temporal seu adversário.
                                                     
(Custódio de Mello)

Estes conceitos pertencem aquele autor, foram extraídos de obra publicada em seu nome, e são os seguintes:
 


 
"(Tal) foi a herança que os governos transatos transmitiram ao governo do Marechal Floriano Peixoto.

                                                       
(Floriano Peixoto)

O General, a quem fora confiado tão oneroso legado não possuía, é certo, muitas das qualidades, — cujo conjunto forma o verdadeiro estadista, tão necessário, aliás, na quadra momentosa em que ele assumiu o governo do país —, para por si só levar aos espíritos a confiança e a convicção de que não longe estariam dissipadas as densas e negras nuvens que toldavam os horizontes da pátria.
                                                         

(Palácio do Itamaraty-sede da presidência então)
 
De sua fé de ofício consta que, quando 1° Tenente do corpo de artilharia, comissionado no posto de Capitão, foi por ordem superior, em 1865, incorporar-se às forças em operações no Rio Grande do Sul, invadida pelo Exército Paraguaio, que ocupava a cidade de Uruguaiana.

Daquela data até 1870, época em que teve termo a campanha contra o Paraguai, conquistou por atos de bravura os postos de Capitão e Major, sendo no fim da guerra promovido a Tenente-Coronel do corpo de estado-maior de primeira classe.

De então, em diante, até 1889, quando exerceu o lugar de Ajudante General do Exército no posto de Brigadeiro e depois no de Marechal de campo, à exceção de uma comissão sem importância alguma científica, qual a de escolher o local, em que, na capital da ex-província de Alagoas, deveria ser construído um barracão destinado a servir de depósito de artigos bélicos, e organizar as respectivas plantas e orçamentos, como a de posteriormente dirigir as obras militares da mesma ex-província, (verdadeira sinecura por falta absoluta de tais obras), salvante, ainda a Presidência da ex-província de Mato Grosso, a qual exerceu ele somente durante um período eleitoral, em todo o mais tempo esteve sempre em serviço puramente militar na capital do extinto Império e nas de algumas de suas províncias.

Destarte, como oficial do estado maior de 1ª classe com o curso de engenharia militar, o Marechal Floriano Peixoto, se tinha habilitação nessa profissão, não teve ocasião de revelá-las, e, como militar, se dispunha de conhecimentos táticos e estratégicos, também nunca os revelou, porque na Guerra do Paraguai, onde poderia tê-los posto em prática, apenas chegou ao posto de Major, patente que não lhe dava direito senão, quando muito, a comandar batalhão; além de que, por índole, por cálculo, por aversão às discussões, por incompetência, ou por outro qualquer motivo, nunca discutia, por mais importantes que fossem as questões sujeitas à sua apreciação. Para prova deste asserto, basta relembrar que, Presidente do Senado, não presidiu ele um só dia a seus trabalhos a pretexto de moléstia; o que, entretanto, em 23 de novembro de 1891 ainda doente para presidir as sessões do Senado, não o impediu de assumir nesse mesmo dia o governo do país, como Vice-Presidente da República, cargo relativamente de maiores trabalhos e incômodos para um enfermo. Mas é que lá era ele obrigado, não podia fugir ao dever de interpretar, de estabelecer premissas e tirar conclusões, de raciocinar, de discutir enfim, e cá esse dever lhe era facultativo, podia discutir ou deixar de fazê-lo, de sorte que nem por esse lado se pôde formar juízo sobre sua inteligência e aptidões. Por outro aspecto, porém, militar brioso, valente, honrado, fiel cumpridor de seus deveres, severo em seus costumes, com prestígio no Exército conquistado por seus princípios de moralidade, de disciplina e de justiça, bem intencionado, como todos o supunham, e cercado de bons e dedicados auxílios, o Marechal Floriano Peixoto prometia um governo patriótico, refletido, moralizado e honesto, capaz de levar o país a altos destinos.

De feito, jamais entre nós um governo foi recebido pela nação debaixo de melhores auspícios; viam todos despontar com ele um futuro rico de esperanças e de salvadoras promessas, e a imprensa de norte a sul festejou, quase uníssona, com efusão de delirante contentamento, o advento dessa era regeneradora, criada pelo esplêndido triunfo da revolução de 23 de novembro de 1891, que reivindicou nossos direitos conculcados pela mais audaciosa tirania.

Por esse tempo sabia-se, é verdade, que no dia 15 de novembro de 1889, ocupando o Marechal Floriano Peixoto, como já dissemos, o lugar de Ajudante General do Exército, posto da maior confiança militar, na ocasião em que o General Deodoro da Fonseca, à frente das forças revoltosas, havia assestado a artilharia contra o quartel-general onde estavam reunidos o Ministério e as forças legais ao mando do referido Ajudante General Floriano Peixoto, a alguém este dissera ser impossível qualquer ataque a essa artilharia, postada em posição de facilmente varrer a metralha toda e qualquer investida contra ela. E porque, tal escutando o Presidente do Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto, lhe replicasse que, no Paraguai, os soldados brasileiros se haviam apossado de artilharia em piores condições, redarguiu-lhe o Ajudante General do Exército nestes termos: "Mas lá tínhamos em frente inimigos, e aqui somos todos irmãos".

O Visconde de Ouro Preto, que até a esse momento valorosamente lutava expedindo ordens com o vigor e o desassombro inspirados na confiança sem limites depositada em seu Ajudante General — o qual, horas antes ainda lhe assegurava sua dedicação e fidelidade, bem como a das tropas a seu mando —, aturdido, como se uma bomba estourasse bem perto de seus ouvidos, sentindo ao mesmo tempo penetrar-lhe até o intimo d'alma o veneno sutil das víboras humanas em traiçoeiro bote, incontinente pediu ao Imperador a demissão coletiva do Ministério.
 
                                                       
(Deposição do gabinete - Benedito Calixto - fragmento da tela)
  
Mas o público, em geral, repeliu a insinuação de tão infame procedimento, pois este não se coadunava com os precedentes honrosos de uma larga vida de sacrifícios e desinteresses. O povo só quis ver no imprevisto da repentina resolução a influência do amor de classe, a imperar em favor dela, entre o sacrifício de tantas vidas preciosas, de irmãos ou camaradas, e a queda das instituições monárquicas, que, afinal de contas, não eram as únicas capazes de felicitar a nação brasileira.

Robustecia também essa opinião o fato de ter, pouco antes da revolução, em 17 de julho, o Marechal Floriano Peixoto, já no exercício do alto cargo de Ajudante General do Exército, escrito ao chefe de Polícia de então Dr. José Basson de Miranda Osório, a carta que em seguida transcrevemos, e na qual ele manifestava a maior dedicação, o maior interesse e zelo pela pessoa do ex-Imperador, que sempre lhe galardoou os serviços com munificência régia, e a quem ele se devotava com o mais profundo reconhecimento.

Com efeito, os sentimentos expressos nessa carta revestiam a traição de tão negras cores que, para admiti-la, fora mister considerar seu autor um ente abominável, hediondo, capaz de todas as torpezas, de todas as indignidades, contra o que em vivo e enérgico protesto se levantava um passado sem mácula, toda uma vida de irrepreensível correção.

Entretanto, no espírito do observador cauteloso e prevenido, no daqueles que julgam todos os homens sujeitos a fraquezas quando solicitados por paixões mais ou menos fortes, — ou no dos que, por longa experiência diante de certos fatos observados à luz das tendências do espírito humano através de embriagadoras tentações, se habituaram à desconfiança —, implantou-se a dúvida, que ao futuro ficou reservado desvendar.

Eis a carta à qual nos referimos:

"Exmo. amigo Dr. chefe. O nosso Imperador, bem que estimado e venerado, deve ser vigiado de perto por certo número de amigos de toda confiança, que façam sustar todo e qualquer desacato.

Sei que V.Exª. tomará as medidas precisas, mas eu quisera secundá-lo com um pequeno mas forte contingente, que entender-se-á com as autoridades de serviço.

Se aceitar esse concurso, peço que a começar de hoje remeta-me um bilhete de cadeira e duas entradas gerais, todas as vezes que S.M. tenha de assistir a representações teatrais.

Com V. Exª. irá entender-se o meu delegado.

De V. Exª. amigo velho e obrigado."

   Floriano Peixoto. "
 
 
 


 
Fonte: MELLO, Custódio José de. O Governo Provisório e a Revolução de 1893, edição póstuma, 1.° volume. São Paulo: Companhia Editora  Nacional. Edição 1938.
 
 
 
 
 
 
 


Não custa nada se recordar, que Floriano Vieira Peixoto, oficial-general do exército, traiu ao governo imperial e ao Imperador D. Pedro II, quando do pronunciamento militar de 15 de novembro de 1889, conforme discorri neste mesmo blog, no texto <A Monarquia Brasileira em 1889 estava assentada em areia (IV).>. Com isto granjeou as simpatias do novo regime, ao qual serviu, primeiro como ministro, depois como vice-presidente, e finalmente como presidente da república em exercício. Com a sua saída do poder terminou a chamada "República da Espada", de predomínio militar, iniciando-se a "República Oligárquica", com Prudente de Moraes e seus sucessores. No texto de sua autoria antes transcrito trago mais alguns conceitos sobre esta figura histórica, mesmo sem esquecer que provém de um adversário político dele. Valem, claro, ao menos como testemunho de um contemporâneo, que com ele conviveu. As imagens não pertencem ao texto original, sendo por mim aqui acrescentadas.

 
 

 

 

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